por Celso da Silva, LC




Morreu somente por mim
Deus dormiu. Certa vez Ele estava no meu barco e eu o acordei. Agora já não posso acordá-lo. Não consigo acordá-lo por mais que eu insista. Ele quis que eu não dormisse no Horto das Oliveiras e agora dorme por minha culpa e minha indiferença. “Senhor, onde moras?”-“Vinde e vede!”. Meu Deus! Procurando a tua morada acabei te levando para a solidão da minha: um sepulcro escuro e sem vida.
A tua mãe te busca em todas as partes, dentro e fora dela, mas não te encontra. Pois já não estás na casa do Pai como aos teus doze anos, porque Ele te deu uma árdua tarefa que eu não cumpri: a obediência. Sacrários vazios! Corações despedaçados! Não pude te descer da cruz porque fugi de medo. Vi o preço do teu seguimento e resolvi mendigar trinta moedas de prata. Vi a tua força que eu não tinha e te neguei três vezes. Que negação eterna! Por isso, choro amargamente.

Amando-me me ensinou a amar
Eu queria entender aquele teu gesto na Última Ceia de tal forma, o Bom Mestre, que não precisasses repetir a matéria tão realmente sensível na tua carne sagrada. Queria que me Tu lavasses todo o corpo naquela mesma noite e, eu, tão perdido ambicionando o Reino dos Céus, usei os meus pés, que Tu lavaste, para sair correndo dos soldados que te prendiam na noite escura e fria da traição. Quis ser o primeiro no teu gozo e o bom ladrão tomou o meu lugar tão desejado, sufocando a minha soberba com a sua profunda humildade. Quis morrer contigo por vaidade; Dimas morreu contigo porque se viu pecador.

O Salvador que se humilha
Neste instante entendo por que não te lançaste do topo do Templo naquele deserto tentador, porque o teu Reinado se consumaria no topo da cruz. Tu podias descer daquele sagrado madeiro, mas eu creio que para alcançar a salvação, a tua mão tem que vir do alto do madeiro, porque se os meus primeiros pais pecaram por levantar as suas mãos para comerem do fruto proibido, eu nesse momento levanto as minhas mãos para apalpar o teu costado, do qual saiu sangue e água, para implorar o perdão que não mereço.

Carregou sobre si os meus pecados
Misericórdia Jesus! Sentindo o tremor desta terra que criaste, percebo que te matei. Talvez um pouco desesperado e inquieto, penso em quebrar as tuas pernas, eu que escutei que vários fizeste caminhar. Restauraste o meu lado ferido, eu feri o teu. Eu pensava que não enxergava e agora não enxergo mais que as consequências do meu pecado. E não posso fazer nada, pois te vendo, não vejo a atrocidade da minha cegueira. A tua mãe repleta de amor e de carinho construiu o teu sagrado corpo durante trinta anos e eu te matei em três horas. Que horror! Que vergonha estou sentindo! Sabes quantos fios de cabelo tenho porque me cuidas e eu, porque te maltratei, posso contar todos os teus ossos. Lembra aquela mulher que lavou os teus pés e os secou com os seus cabelos? Para mim era uma louca. Quanto dinheiro desperdiçado! Pensava dessa maneira e agora te peço perdão porque preguei duramente os teus pés e na o fui capaz de enxugar o teu rosto como a Veronica. Ademais, no Sinédrio te bati.

Cristo, o único sentido do meu viver
A cabeça que não tinha onde descansar depois do cansaço do dia, sentiu os espinhos atrozes da minha ingratidão. A Samaritana não te deu agua, mas pelo menos ela reconheceu a tua divindade. Eu, ao contrario, molhei uma esponja com vinagre e te ofereci, não entendendo que tinhas sede do meu amor. Quanta ingratidão? Chamaste-me para viver contigo e então deixei as minhas redes lá na praia. Agora me chamaste para morrer e te abandonei. Será que as minhas redes valem mais do que Tu? Não. Não, Senhor. Pois já não existe quem me peça para lançar as redes, nem para ir à aguas mais profundas. E para dizer a verdade, é cansativo passar toda a noite sem pescar algo. Só que nesta noite, na o consigo conciliar o sono, porque os teus olhos não estão abertos, como os vi tantas vezes na solidão da noite conversando intimamente com o teu Pai.

Somente por hoje quero ter saudades de Deus
Ninguém vigia contigo. Não vigiei no Horto e agora os guardas que cuidam o teu corpo estão dormindo. Jesus, qual é a distancia que nos separa? Por que estamos tão longe um do outro? Tu no sepulcro e eu aqui no Cenáculo. Tu morto e eu vivo. Tu, libertado e eu, prisioneiro do medo. O que nos fez nesse instante tão longe um do outro? Vem, Jesus! Vem senta novamente comigo à mesa. Lázaro prefere a morte a viver sem Ti. A filha de Jairo crê que Tu somente estás dormindo. Bartimeo prefere continuar cego como antes que ver-te no sepulcro. Senhor, João não tem onde repousar a cabeça como na Última Ceia.

A morte não é a última palavra aos olhos de Deus, Palavra Eterna
Sei que a pedra do sepulcro não é o púlpito definitivo onde repousa agora a Palavra Eterna de Deus Pai, por isso creio na Ressurreição, creio na Luz da Luz que jamais conheceu e conhecerá o ocaso.

Vem, Senhor Jesus! Se vivo é porque vives em mim.

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