por Anderson A. Pitz, LC



O Papa Francisco durante todo o seu primeiro ano de pontificado mais de uma vez tem chamado a atenção dizendo que quer “uma igreja pobre para os pobres”. O que significa uma Igreja pobre? O que ele quer dizer com “ir às periferias existenciais”? Como um católico entende a chamada de Cristo que diz que todos nós devemos ser pobres?
Em primeiro lugar temos que dizer que a mensagem cristã da pobreza é uma característica essencial da Igreja. Todo o evangelho chama o homem à este desprendimento dos bens deste mundo como condição para seguir Cristo: “qualquer um de vós que não renuncia a tudo o que possui não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33), e: “Bem-aventurados vós que sois pobres, porque vosso é o Reino de Deus!” (Lc 6,20). 
Pobreza como desprendimento interno
O sentido da pobreza que ressalta o evangelista Lucas não é uma pobreza “efetiva”, ou seja,  uma condição de privar-se de possuir qualquer bem material. A opção da pobreza efetiva é um convite, um apelo e não um preceito: “Se queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me!” (Mt 19,21).
Ainda mais, quer deseja ser discípulo de Jesus deve, obrigatoriamente, renunciar a todos os bens deste mundo vivendo em condição de pobreza “afetiva”, que quer dizer, de desprendimento interior de tudo riqueza mundana, seja material que imaterial como a fama, o poder, etc.
Como toda virtude, também a pobreza consiste numa atitude interior. Pode se ter optado pela pobreza ou ser pobre de fato, mas, não exercitar a virtude da pobreza. É o que acontece quando, ainda que se vive na indigência e alimentar um coração cheio de invejas pelos bens alheios, ou, pelo contrário, pode se ter renunciado à todas riquezas nutrindo sentimentos de orgulho e desprezo pelos que não são capazes de semelhante ação sublime e heroica.
Antes de tudo a vida eterna
A pobreza de espírito é uma orientação que a alma deve dar em meio à vivência do seu atuar no dia-a-dia. Consiste em direcionar o coração aos bens eternos, redimensionando a atração dos bens visíveis e transformando o desprendimento afetivo em renúncia efetiva, praticada com harmonia conforme a própria condição de vida.
Inclusive a nossa razão, iluminada pela fé, pode ajudar-nos a liberar o coração das seduções das riquezas deste mundo: a razão nos mostra como os bens maiores como o amor, a alegria e a paz não podem ser adquiridos com o dinheiro, e que, quando se morre, não é possível levar nada consigo de quanto se possui.
A legítima aspiração natural ao bem-estar material não deve nunca levar-nos a trocar os meios com os fins: se o homem vive para acumular riquezas ou para obter fama e poder, coloca como fim da sua vida aquilo que é um simples meio, caindo assim na idolatria.
O Papa Francisco diz na encíclica Lumen Fidei que a idolatria é colocar a si mesmos no centro da realidade, substituindo Deus pela multiplicidade dos próprios desejos. “A fé, enquanto ligada à conversão, é o contrário da idolatria: é separação dos ídolos para voltar ao Deus vivo, através de um encontro pessoal” (n.13).
A Igreja dos pobres
Neste sentido é que dizemos que a Igreja de Jesus é a Igreja dos pobres, daqueles que tem a Deus no centro das suas vidas, renunciando a si mesmos.
Mas a Igreja é Igreja dos pobres também no sentido que o anúncio do Evangelho é destinado primeiramente aos pobres, aos que carecem do necessário para conduzir uma vida digna. A eles é anunciada em primeiro lugar a mensagem que Deus lhes ama com predileção e vem lhes visitar a traves das obras de caridade que os discípulos de Cristo realizam no seu nome.
A periferia existencial
Além da pobreza econômica e social, o Papa Francisco lembra a indigência das assim chamadas, “periferias espirituais”, habitada por pessoas que “que vivem sem esperança e estão imersas numa profunda tristeza da qual procuram sair pensando que encontram a felicidade no álcool, na droga, no jogo de azar, no poder do dinheiro, na sexualidade sem regras... Mas acabam por se sentir ainda mais desiludidos e por vezes desencadeiam a sua raiva contra a vida com comportamentos violentos e indignos do homem” (Discurso do Papa Francisco aos participantes no Congresso Eclesial da diocese de Roma, 17 de junho de 2013).
A indigência da desesperação está unida a outra, e diferente, “existe uma pobreza espiritual que angustia o homem contemporâneo. Somos pobres de amor, sedentos de verdade e justiça, mendigos de Deus, como sempre frisou sabiamente o servo de Deus padre Luigi Giussani. Com efeito, a maior pobreza é a falta de Cristo” (Mensagem ao Meeting de Rimini, 18-24 de agosto de 2013).
Não se trata de pauperismo
O Papa Francisco chama todos os cristãos à pobreza ensinada por Cristo e dizendo que os pobres serão os primeiros destinatários do anúncio do Evangelho, e assim traça a rota da Igreja de hoje.
Esta rota que deve ser seguida sem mal entendidos: “Este ir ao encontro dos pobres não significa que devemos tornar-nos pauperistas, ou uma espécie de «mendigos espirituais»! Não, não, não significa isto! Significa que devemos caminhar em direção à carne de Jesus que sofre, mas também sofre a carne de Jesus naqueles que não o conhecem com os seus estudos, com a sua inteligência, com a sua cultura. É lá que devemos ir! Por isso, gosto de usar a expressão «ir às periferias», às periferias existenciais. Todas, da pobreza física e real à pobreza intelectual, que é também real. Todas as periferias, todas as encruzilhadas dos caminhos: ir lá. E ali lançar a semente do Evangelho, com a palavra e com o testemunho” (Discurso do Papa Francisco aos participantes no Congresso Eclesial da diocese de Roma, 17 de junho de 2013).
A distância da teologia da libertação
Com a expressão “Igreja dos pobres” não devemos entender a identificação da Igreja com uma classe social ou com um instrumento de luta de classes sociais. Não devemos confundir “Igreja dos pobres” com “Igreja de classe”.
A Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé na Instrução sobre alguns aspectos da “Teologia da Libertação” (06 de agosto de 1984) diz: “Perverte-se deste modo o sentido cristão do pobre e o combate pelos direitos dos pobres transforma-se em combate de classes na perspectiva ideológica da luta de classes. A Igreja dos pobres significa então Igreja classista, que tomou consciência das necessidades da luta revolucionária como etapa para a libertação e que celebra esta libertação na sua liturgia” (n.10).
A pobreza ensinada por Cristo é aquela das bem-aventuranças, a que solicita a compartilhar os bens espirituais e materiais, não por constrição, mas por amor, para que a abundância de uns complete a indigência de outros.

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